quinta-feira, 11 de março de 2010

Apenas uma calçada

Calçada com seu jeito matreiro que vive só a espiar a vida alheia. Calçada de pedra fria que a chuva judia, mas lava a sujeira deixada por quem passa.
Calçada que de perto viu a morte vinda do tiro que não sabe de onde, sentiu o gosto do sangue de quem caiu em suas entranhas.
Sempre rindo da desgraça alheia, por isso tu és pisada com pés descalços ou pela mulher calçada em seu sapato de fino salto que fura a ti como tu vistes furar o marido da mulher que o traía pelo amante que nada amava.
Sentiu o gosto amargo das lágrimas dos casais de namorados que brigam por qualquer coisa que passa.
Calçada sem vergonha que olha por baixo da saia da loirinha que passa vendo sua calcinha de renda vermelha ou será que é vermelha do sangue que escorre de entre suas pernas.
Calçada reluzente de concreto duro que sina tu tens, ver tudo e nada poder contar.
Mas será que tu vês só desgraças, não vês a alegria daquela criança que corre por cima de ti só para abraçar o irmão que chegou da escola. Mas sei que vês também aquela menina que outrora chorava de tristeza hoje chora de alegria por ter reencontrado o sentido de sua vida.
Vês aquela senhora que de mãos dadas com seu senhor fazem juras de amor eterno mesmo com tantos anos idos.
Calçada maldita que sabes os segredos de quem passa, já vistes de tudo na sua medíocre vida.
Se tu pudesses falar, falaria ao mundo os podres que tu sabes ou contaria ao mundo as alegrias que sentiu.
Calçada insana de pedra fria como o inverno, sentes o frio do vento que por cima de ti assopra tirando a poeira sobre ti. Mas sentes também o calor do corpo de alguém que por cima de ti dormes porque não tem uma cama onde viver. Pobre calcada que só lembram-se de ti quando precisam. Colocam por cima de ti cadeiras para sentarmos com nossas bundas imundas e beber em cima de ti a cerveja que nos trazem para amenizar dor por alguém que perdemos ou para contar aos amigos da nossa transa de outrora.
Calçada vadia tu és estuprada pelos postes que penetram a sua imaculada pele de concreto sem tua permissão.
Calçada tu és feliz e não sabes. Sei que vou morrer um dia e tu irás rir de minha desgraça. Mas seguirás com a sua vida fútil de segredos sabidos e de alegrias cantadas. Tu morrerás pelas mãos dos homens que um dia te deram a vida. E tu morrerás sem saber de mais nada.

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